O Servidor “Invisível” que Paralisou a Licitação Milionária


MACAPÁ, AP – A chamada “Guerra dos Esquemas” nos bastidores do serviço público amapaense ganhou novos contornos nesta semana, com revelações que colocam em xeque a legalidade, a moralidade e a transparência de uma das maiores licitações do Estado em 2024. No centro das suspeitas, está o servidor federal Gabriel Malaquias de Lima, ligado ao Instituto Federal do Amapá (IFAP), cujo nome aparece como protocolo de uma denúncia que paralisou a concorrência pública no valor de R$ 12,4 milhões no Departamento Estadual de Trânsito do Amapá (Detran-AP).

O Pregão que incomodou: R$ 12,4 milhões em jogo
O Pregão Eletrônico nº 088/2024, realizado pela Secretaria de Compras do Estado, previa a contratação de serviços tecnológicos para o DETRAN/AP, sucedendo o fracassado Pregão nº 043/2024, onde apenas uma empresa, a Search Tecnologia, havia participado. O novo certame, por sua vez, trouxe maior concorrência, com cinco empresas habilitadas.

No entanto, quando a Search foi superada tecnicamente por outras propostas, o processo foi interrompido abruptamente no dia 12 de junho de 2025, por meio de liminar expedida pelo Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE/AP), sob o processo nº 000245/2025. A medida travou o andamento da licitação em sua fase final.

A denúncia e o nome que não bate: Quem realmente representou a empresa?
A ata oficial do pregão aponta como autora da denúncia a empresa GM Consultoria e Gestão em Logística Ltda (GLLC Consultoria), de Brasília/DF, sob o CNPJ 18.727.591/0001-69, com sócios registrados como Wagner Gauterio de Lima e Beatris Gauterio de Lima.

Contudo, o sistema interno do TCE/AP revela um detalhe que compromete toda a narrativa oficial: o protocolo do processo foi feito por Gabriel Malaquias de Lima, servidor federal vinculado ao IFAP. Não há, até o momento, qualquer documento público que comprove que ele tenha poderes legais para representar a empresa GM Consultoria.

A empresa, por sua vez, não tem histórico de atuação no Amapá, nunca celebrou contratos com o Estado e tampouco consta como especializada em tecnologia de sistemas voltados ao trânsito ou à administração pública estadual.

O servidor que não aparece: um agente invisível com poder sobre contratos públicos
Gabriel Malaquias de Lima foi nomeado servidor do IFAP nas Portarias nº 557/2025 e nº 697/2025, ambas de conhecimento público. Apesar disso, não consta no Portal da Transparência Federal como servidor ativo, tampouco há registros de sua remuneração ou lotação.

Não foi localizado qualquer ato de exoneração ou afastamento oficial. Na prática, Gabriel é um servidor invisível para os sistemas de controle social, mas detentor de poder suficiente para paralisar, via protocolo administrativo, uma das maiores licitações do ano no Amapá.

A mão que assina a suspensão: relação familiar e interesse institucional
A decisão que suspendeu o pregão foi assinada pela Conselheira Marília Brito Xavier Góes, do TCE-AP. Marília é sogra de Inácio Souza, ex-superintendente do Detran-AP e histórico aliado da empresa Search Tecnologia, que havia sido derrotada tecnicamente no pregão nº 088/2024.

A Search, inclusive, foi a única participante do pregão anterior (nº 043/2024), o qual fracassou. O novo certame, mais competitivo, retirou a empresa de sua posição dominante.

O que se observa é uma cadeia de decisões administrativas e judiciais que, em última instância, beneficia a mesma empresa ligada a interesses familiares de quem julgou a medida.

A Search Tecnologia: um histórico de problemas e contratos controversos
A empresa Search Tecnologia, embora se apresente como fornecedora de sistemas para DETRANs de vários estados, acumula polêmicas e denúncias desde pelo menos 2015.

Em Goiás, foi alvo de rescisão contratual por falhas técnicas no sistema do DETRAN-GO, multada e impedida de contratar com o estado por dois anos. À época, o presidente do DETRAN/GO declarou publicamente que a empresa “não possuía mais condições técnicas de operar”.

Mais recentemente, no Amapá, a Search esteve no centro de denúncias envolvendo supostos esquemas de favorecimento, contratos sob suspeita de superfaturamento, e ligações políticas com figuras do alto escalão do governo estadual, incluindo o ex-superintendente do DETRAN, Inácio Souza. Investigações foram cobradas pela oposição, mas até o momento não há resposta institucional efetiva.

Onde estão os órgãos de controle?
A sequência de eventos levanta questões sérias sobre a legalidade da suspensão da licitação:

Uma microempresa de outro estado sem expertise comprovada no objeto licitado é apresentada como autora da denúncia;

O protocolo é feito por um servidor público federal, que não possui vínculo público com a empresa;

A decisão é proferida por uma conselheira do TCE/AP que possui laços familiares diretos com figuras ligadas à empresa favorecida;

A empresa Search, derrotada no certame, é historicamente conectada aos atores centrais desse enredo.

A omissão de respostas por parte de órgãos como o Ministério Público Estadual, Ministério Público de Contas, Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União e Corregedoria do IFAP, compromete a confiança da sociedade nas instituições.

A população exige respostas


O que se apresenta, com base em documentos públicos, movimentações processuais e dados oficiais, é a possível existência de um esquema articulado para influenciar o resultado de licitações públicas no Estado do Amapá.

A atuação de Gabriel Malaquias de Lima e a concessão de liminar favorável à Search, empresa ligada ao ex-gestor do Detran-AP, por uma conselheira com laços familiares com esse mesmo grupo, precisa ser investigada com urgência.

Enquanto isso, a licitação segue suspensa. O dano à imagem do Estado é concreto. O silêncio dos órgãos de controle é, neste momento, o maior aliado da impunidade.

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