
Em junho de 2025, o Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE-AP), por meio de decisão liminar proferida pela Conselheira Marília Brito Xavier Góes, determinou a suspensão do procedimento licitatório promovido pelo Departamento Estadual de Trânsito do Amapá (Detran-AP), destinado à contratação de serviços de tecnologia da informação. A medida, tomada quando o certame se encontrava com mais de 97% de sua tramitação concluída, levantou sérias dúvidas sobre a regularidade da intervenção e seus reais fundamentos, suscitando suspeitas de favorecimento indevido e atuação político-familiar no âmbito do controle externo.
I – Primeira Tentativa: Edital Restritivo e Inviabilidade de Contratação
Em maio de 2024, foi lançado o Pregão Eletrônico nº 043/2024 pelo Detran-AP. O instrumento convocatório, entretanto, apresentava critérios técnicos e cláusulas de habilitação formuladas de maneira restritiva, com forte indício de direcionamento à empresa SEARCH Tecnologia — única participante do certame.
Todavia, a proposta financeira da SEARCH ultrapassou significativamente o valor estimado, inviabilizando sua contratação e culminando no fracasso do procedimento, que teve de ser revogado por ausência de competitividade efetiva.
II – Novo Certame e Competição Real*
Em resposta ao insucesso anterior, foi lançado o Pregão Eletrônico nº 088/2024, com novo escopo e valor estimado de R$ 12,4 milhões. Desta vez, a licitação atraiu cinco empresas, ampliando a concorrência e assegurando maior lisura processual.
A empresa SEARCH participou novamente, mas não obteve êxito, sendo superada por concorrentes tecnicamente mais qualificadas, especialmente uma empresa com notório histórico de atuação em sistemas para órgãos de trânsito. Essa licitante sagrou-se vencedora após cumprir com êxito todas as etapas, incluindo a fase de habilitação, análise técnica e Prova de Conceito (PoC), sendo considerada a melhor proposta técnica e economicamente vantajosa para a Administração.
III – A Suspensão Controversa: Indícios de Conflito de Interesses**
Quando o processo se encontrava prestes a ser homologado, uma representação foi apresentada por empresa alheia ao certame, conduzida por servidor federal sem qualquer atribuição funcional com o setor de trânsito. A representação, mesmo sem elementos substanciais, foi acatada pela Conselheira Marília Góes, que expediu medida liminar suspendendo o processo licitatório.
Ocorre que a Conselheira é sogra de Inácio Souza, ex-superintendente do Detran-AP e genro da referida conselheira, cuja gestão foi marcada por relações próximas à empresa SEARCH, inclusive com histórico de contratações sob sua influência. Tal circunstância revela possível conflito de interesses e compromete a imparcialidade da decisão proferida, colocando em xeque a independência funcional e a integridade da fiscalização exercida pelo TCE.
Conclusão
A intervenção do TCE-AP, além de não estar devidamente fundamentada em vícios formais ou materiais do certame, representa uma interferência atípica e potencialmente direcionada, em descompasso com os princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade e eficiência que regem os processos licitatórios (art. 37, caput, da Constituição Federal). A situação exige apuração rigorosa por parte dos órgãos de controle interno e externo, a fim de assegurar que a Administração Pública não seja instrumentalizada para interesses privados ou familiares.